sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Livros Poéticos da Bíblia

CTIEJN
Curso de Teologia da Igreja Evangélica Jesus para as Nações
Nível Básico

Apostila

dos Livros Poéticos
Curso de Teologia da Igreja Evangélica Jesus para as Nações
 Nível Básico
Apostila dos Livros Poéticos

Organizadores:
Diretor Pr. José Iracet
Profª  Dra. Adriana Röhrig

 Sumário

Introdução aos livros poéticos 

UNIDADE 1 Livro de Jó  

UNIDADE 2  Livro de Salmos 

UNIDADE 3 Escritos de Salomão


BIBLIOGRAFIA    
  

 
Introdução aos livros poéticos
               
Os livros de Salmos, Jó  e   Provérbios,  nas  Bíblias  hebraicas,  formam  um  grupo  à parte,  com  a  denominação  de  Livros  poéticos, porém,  acrescentaram-lhes  também  o  Eclesiastes  e  Cântico  dos Cânticos; e é frequente entre os estudiosos gregos, bem como entre os autores modernos, estender a todos o nome de Livros Poéticos. Isto porque Cântico  dos  Cânticos   e   Eclesiastes   são   escritos   em   versos   como   os Provérbios. Eclesiastes possui forma poética, embora menos rigorosa. Trata-se, portanto, de um elemento comum a todos esses livros. 
São  também  chamados  livros  didáticos  ou  sapienciais,  por  falarem  muito  de sabedoria; os salmos são na maior parte do gênero lírico, sem, todavia, lhes faltar o elemento didático; o gênero do Cântico dos Cânticos é exclusivamente o lírico. De resto, lírico e didático são os dois gêneros de poesia apreciada pelos hebreus. 

Paralelismo sinônimo
O  que   caracteriza   toda   a   poesia   hebraica   é   o   chamado   paralelismo. Geralmente,  o  verso  compõe-se  de  dois  membros  ou  frases,  que repetem   ideias   e   palavras   que   se   correspondem   quanto   ao   sentido (paralelismo sinonímico), como, por exemplo:  

“Quando Israel saiu do Egito, e a casa de Jacó do meio dum povo bárbaro, Judá ficou sendo o santuário de Deus, e Israel o seu domínio" (Sl 114.1-2).

  Paralelismo Antiético
Outra  forma  de  paralelismo  é  o paralelismo  antitético  que  destaca  o  mesmo conceito por meio de contrastes, como, por exemplo: 

"Um filho sábio é a alegria de seu pai, porém um filho insensato é a tristeza de sua mãe" (Pv 10.1). 

Paralelismo sintético ou progressivo
A segunda frase  não é, às vezes, a repetição, e sim o complemento do primeiro (paralelismo sintético ou progressivo), como, por exemplo: 

"Com a minha voz clamei ao Senhor, e ele ouviu-me do seu santo monte" (Sl 3.4). 

A  observância  dos  paralelismos  ajuda  a  compreensão  do  verso,  visto  que  a segunda  parte  repete  e,  muitas  vezes,  esclarece  obscuridades  ou  figuras contidas no primeiro enunciado.  Deve-se notar de maneira especial que frequentes vezes os dois enunciados paralelos apresentam cada um uma parte e aspecto da ideia, e unidos formam um só conceito.  O citado Pv 10.1 quer significar que o filho sábio é a glória dos pais, ao passo que o insensato causa-lhes tristeza. 
A  poesia  do  Velho  Testamento  é  a  mais  significativa  contribuição  do  povo hebreu  à  literatura  universal,  tal  e  qual  outro  qualquer  povo,  sua  literatura primitiva  era  poética.  Não dispomos, no  Velho  Testamento,  de  um  conjunto completo   dos   escritos   poéticos   israelitas;   apenas   alguns   poemas   de significação religiosa foram incluídos nos livros sagrados e nem todos estão no cânon. Diz-se que "Salomão produziu mais de três mil provérbios e mil e cinco odes   ou   cantos".   Comentaristas  bíblicos   destacam   algumas   produções literárias das coleções de poesias conhecidas como "As guerras de Yahweh" (Nm   21.14)   e   "O   livro   de   Jasar"   (Js   10.13).  
Essa  poesia   lírica   era essencialmente popular no antigo Israel, o que atesta o número de sinônimos em  hebraico nos  "hinos",  dos  quais  há pelo  menos  treze.  Somente  as  ideias comuns admitem muitas e diferentes palavras para expressá-las. A existência em hebraico – língua pobre de sinônimos - de treze palavras para indicar hino ou canto, sugere o largo cultivo da poesia no antigo Israel. 
As  linhas  da  poesia  hebraica  são  vigorosamente  agrupadas.  Em  alguns poemas, as estrofes são facilmente distinguidas. Ocasionalmente, o estribilho ou “coro” vem ao fim de cada estrofe (Ver Salmo 107.8,15,21,31). Há poucas ocorrências  de  rimas  na  poesia  hebraica.  Em  Juízes  16.24  temos  o  que  se chamou  "um  hino  formado  de  uma  rima  única".  Há  uma  rima  repetida  no primeiro  verso  do  Salmo  14.  O  autor  de  Isaías  40-66,  ocasionalmente,  faz alguma rima. Em outras palavras, a poesia de Israel omite essa característica, tão essencial à nossa ideia de poesia. C. C. Torrey sugere que talvez a poesia secular  hebraica  usasse  mais  a  rima  do  que  a  canônica,  e  os  escritores sagrados   a   tinham   como   "demasiado   vulgar   para   ser   empregada   em composições sérias". Seja essa a razão ou não, a poesia bíblica emprega, de preferência, os chamados “versos livres”, mais do que qualquer outra forma.  Em resumo, a rima não é muito usada na poesia bíblica.
A  efetividade  da  poesia  hebraica  é  grandemente  devida  à  sua  liberdade  de abstrações.   Sempre apela   aos   sentimentos   fundamentais.   No  intuito  de expressar   seu   desespero,   o   Salmista   designa   as   sensações   que   o caracterizam,  com  as  expressões  "minha  garganta  está  seca",  "meus  olhos falham", "eu mergulho em profundas dificuldades e não encontro lugar firme". O terror  da  noite  é  expresso  por  Elifaz  (Jó  4.12-17),  com  o  tremor  dos  ossos, silêncio mortal e a visão de objetos indefinidos. 
O poeta deve ter a liberdade de dizer as coisas da maneira que quiser e, muitas vezes, lida com sentimentos e aspirações que se perdem no realismo da linguagem. Como Jacó, que lutou com um anjo. Isto deve ser lido com simpatia espiritual e cooperação. Suas palavras simples não devem ser consideradas como cortesias etimológicas, nem suas afirmativas isoladas como fórmulas teológicas. 
É  muito  fácil  perceber-se  o  absurdo  de  uma  interpretação  literal  da  poesia. Sabem todos que isso não deve ser feito. Quando se lê no Cântico de Débora: "...  dos  céus  lutaram  as  estrelas,  de  suas  órbitas  lutaram  contra  Sísera...",  o leitor verifica logo que as estrelas não brandiram suas espadas e entraram em luta. É apenas uma figura poética, de imaginação, que apresenta o fato de que todo  o  universo  de  Deus  estava  aguerrido  contra  tal  homem  maligno.  Outra vez, quando o livro de Jó se refere ao tempo da criação "...quando as estrelas da manhã cantaram juntas..." (Jó 38.7), o leitor não deve imaginar uma reunião de estrelas cantando um hino, mas admitir que o poeta deseja apresentar-nos a alegria do universo de Deus na linguagem da imaginação. O autor do Salmo 114, descrevendo a libertação dos israelitas do Egito, assim se expressa: "O mar  o  viu  e  transbordou;  o  Jordão  voltou  a  sua  correnteza.  As  montanhas pularam como carneiros, as colinas, como cordeiros". Nada mais jocoso seria tomar-se  esse  quadro  literalmente.  Interpretar-se  as  passagens  poéticas  do Velho  Testamento  de  qualquer  outra  forma  além  da  exaltação  como  se apresentam é ignorar o método divino que escolhe poetas acima de todos os outros, a fim de acenar aos homens do passado e do futuro, ao qual nenhum estranho tem acesso.


Unidade 1

 O livro de Jó

As pessoas têm debatido longa e seriamente sobre o problema e o significado do  sofrimento  humano.  O  livro de  Jó  é  o  mais  destacado  de  todos  esses esforços registrados na literatura mundial. 
A narrativa trata da vida de um homem cujo nome provê o título do livro. O livro abre com uma introdução em prosa que descreve Jó como um homem rico e reto. Depois de uma série de calamidades, tudo que ele tem, incluindo seus filhos, lhe  é  tirado.  A  pergunta  levantada  no  início  é  se  Jó  vai  conservar  sua integridade  diante  de  tamanho  sofrimento.  Somos  informados  que  ele  saiu vitorioso: "Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios" (2.10). 
Além de preparar o terreno para o debate posterior relacionado ao propósito e ao significado do sofrimento, o prólogo também apresenta as personagens da trama. Deus é o Javé dos hebreus, que é Senhor do céu e da terra! Satanás aparece no papel de adversário de Jó. O herói, Jó, é um cidadão rico da terra de Uz. Ele recebe a visita de três dos seus amigos: Elifaz, o temanita, Bildade, o suíta e Zofar, o naamatita. Estes três homens vêm trazer conforto para o seu velho amigo. 
A  maior  parte  do  livro  é  composta  de  diálogos  entre  os  quatro  amigos.  Os "confortadores" estão seguros de que o sofrimento de Jó é causado por algum pecado que seu amigo está escondendo. Eles estão certos de que humildade e arrependimento  vão  resolver  a  situação.  Jó,  por  outro  lado,  insiste  em  que, embora possua as fraquezas normais da raça humana, não cometeu nenhum pecado que pudesse causar tamanho infortúnio pelo qual está passando. Ele não concorda com a opinião de seus amigos de que pecado e sofrimento estão invariável  e  diretamente  ligados  como  uma  sequência  de  causa  e  efeito. Parece,  a  essa  altura,  que  o  autor  pretende  mostrar  que  Jó  deveria  ser  o vitorioso na argumentação contra seus confortadores.  
Um jovem espectador chamado Eliú está em silêncio e não é mencionado no início. Depois de três rodadas de debates com os outros amigos, ele intervém na discussão. Ele está injuriado com Jó por sua atitude irreverente em relação à providência de Deus. Ele também está igualmente indignado com os três amigos pela incapacidade deles de convencer Jó da sua culpa. Por intermédio de quatro discursos, não respondidos por Jó, Eliú expressa sua forte oposição no que tange aos sentimentos de Jó e discorda dele quanto ao significado do sofrimento. Eliú, embora mantenha a posição básica dos outros conselheiros de Jó, ressalta a providência de Deus em todos os eventos humanos e o valor disciplinador do sofrimento. Dessa forma, ele exalta a grandeza de Deus. Diante desse pano de fundo ele afirma que a aflição do homem contribui para a sua instrução. Se Jó fosse humilde e piedoso, ele perceberia que Deus o estava conduzindo para uma vida melhor. 
Então o Senhor se manifesta no meio da tempestade. O pedido insistente de Jó  -de  que  Deus  apareça  e  dê  significado  ao  seu  sofrimento  -é  finalmente atendido.  No entanto,  Deus  não  menciona  o  problema  individual  de  Jó,  nem trata  diretamente  dos  problemas  que  ele  levantou.  Em  vez  disso,  Ele  deixa claro quem Ele é e o relacionamento que Jó, ou qualquer homem, deveria ter com  Ele.  Ao  ver  a  glória  e  o  poder  de  Deus,  Jó  é  desarmado  e  humilhado. Quando ele vê Deus em sua verdadeira luz, arrepende-se das suas palavras e atitudes petulantes. 
O epílogo descreve de que maneira o arrependido e humilhado   Jó   é restaurado,  duplicando  a  sua  prosperidade  anterior.  Após  a  restauração  dos amigos  e  da  família,  Jó  viveu  uma  vida  longa  e  feliz  -na  verdade,  mais  140 anos. Então ele morreu, "velho e farto de dias" (42.17). 


A Historicidade do Livro 

Com frequência, alguns perguntam: Será que Jó é um homem real? Ou, será que  o  livro  de  Jó  é  uma  história  real?  Estas  duas  perguntas  não  precisam receber a mesma resposta. 
Que  houve  um  Jó  com  a  reputação  de  retidão  é  fato  atestado  por  uma referência a ele em Ezequiel 14.14. É muito provável que a narrativa básica do livro tenha sido fundamentada em uma personagem real com esse nome. Não  precisamos  com  isso,  no  entanto,  presumir  que  o  livro  de  Jó  está descrevendo um acontecimento histórico do começo ao fim. Somente por meio de revelação especial o autor poderia ter acesso à informação concernente às duas cenas no céu descritas nos capítulos 1 e 2. Além disso, é evidente que o prólogo prepara o terreno para o debate que o autor tem em mente. O diálogo entre os amigos está em forma poética altamente estilizada, muito diferente de um debate espontâneo. 
Esses e outros fatores têm levado à opinião geral de que a narrativa básica do livro  é  uma  história  antiga  de  um  homem  real  que  sofreu  imensamente.  Um autor  anônimo  usou  esse  material  para  discutir  o  significado  do  sofrimento humano e o relacionamento de Deus com ele. Esse autor realizou um trabalho esplêndido. 

Lugar no Cânon
 
O livro de Jó faz parte da terceira divisão do cânon hebraico, o Kethubim, os hagiógrafos,  ou  Escritos.  A  ordem  nessa  divisão  tem  variado  nas  diferentes tradições. Atualmente Jó é colocado entre Provérbios e Cantares de Salomão (Cânticos  de  Salomão)  no  cânon  hebraico.  A  Tradução  Brasileira  coloca  Jó entre Ester e os Salmos, onde Jó é o primeiro dos três grandes livros poéticos. Essa   é   a   ordem   usada   por   Jerônimo   na   sua   tradução   Vulgata   e subseqüentemente  ela  foi  confirmada  no  Concílio  de  Trento  (1545-1563)  em sua declaração oficial do cânon das Escrituras. 

Autoria
 
O  nome  Jó  (heb.  'iyyôb)  tem  sido  interpretado  de  várias  maneiras.  Uma sugestão  é  "Onde  (está)  meu  Pai?".  Outra  leitura  deriva  o  nome  da  raiz  ‘yb, "ser inimigo". É possível entendê-Io como uma forma ativa (oponente de Javé) ou como uma forma passiva (alguém a quem Javé trata como inimigo). Pode haver  um  jogo  de  palavras  quando  Jó  lamenta  ser  "inimigo"  ('ôyêb)  de  Deus (13.24
Por causa do suposto ambiente patriarcal da história e da crença de que Moisés seria seu autor, a Bíblia siríaca o insere entre o Pentateuco e Josué. A incerteza quanto à data e ao gênero literário respondem por às diferenças de localização. 
Quanto à sua autoria estudiosos do Antigo Testamento concordam entre si em que uma busca pelo autor desse livro está fadada ao fracasso. Em nenhuma parte do livro  existe  qualquer  tipo  de  indicação  quanto  à  identidade  do  homem  que  criou essa  obra  de  arte  literária.  O  livro  não  só  se  mantém  calado  em  relação  à  sua origem,  mas  também  não  encontramos  nenhuma  sugestão  bíblica  independente em relação à sua autoria. Ezequiel (14.14,20) menciona um homem chamado Jó, conhecido por sua retidão; e Tiago (5.11) o  reconhece  como  modelo  de  paciência.  Essas  duas  referências  mencionam um indivíduo chamado Jó. Elas não tratam da identidade do autor do livro. 
Embora  o  nome  do  autor  nunca  venha  a  ser  conhecido  por  nós,  algumas qualidades desse homem podem ser determinadas por meio do livro que ele escreveu. Quem quer que ele tenha sido, foi uma das maiores figuras literárias do  mundo.  Qualquer  lista  de  grandes  obras-primas  na  área  da  literatura certamente incluirão livro de Jó. Na verdade, muitos a colocariam no topo da lista. Alguns literatos descrevem o livro de Jó como o maior poema dos tempos antigos e modernos, dizendo que não existe nada dentro ou fora da Bíblia com o mesmo valor literário. 
Entende-se que, ou  o  autor  de  Jó  sofreu  grandemente  em  sua  própria  vida  ou  ele  teve  uma capacidade incomum de sentir compaixão e empatia por aqueles que sofriam. Junto com essa grande sensibilidade ele foi profundamente religioso. Ele tinha uma  percepção  fora  do  comum  quanto  à  natureza  humana  e  estava  bem inteirado  com  o  mundo  no  qual  vivia  o  mundo  da  natureza,  das  ideias  e  da literatura. 
Enfim, podemos  aceitar  que  o  autor  desconhecido  do  livro  tenha  usado  um  homem histórico  "de  Uz",  chamado  Jó,  conhecido  por  todos  pelo  seu  sofrimento  e integridade, para ser o herói desse diálogo. Outras perguntas relativas à autoria devem permanecer sem solução. 

Data da Composição
 
A época da composição desse livro permanece um problema tão complicado quanto  o  da  autoria.  Diversas  datas  foram  sugeridas  e  elas  variam  desde  o século XVIII até o século lII a.C. 
De  acordo  com  a  descrição  do  livro,  o  homem  Jó  mostra  um  tipo  de  vida  e cultura que mais se aproxima do período patriarcal. Por exemplo, “o livro afirma que  Jó  viveu  mais  140  anos  depois  da  restauração  da  sua  saúde  e  riqueza, além dos anos que ele tinha vivido antes do seu infortúnio”  (POPE, 1965, p. 135).  Não  há  expectativa  de  vida  como  essa  na  narrativa  bíblica  depois  do período  patriarcal.  A  riqueza  de  Jó  consistia  basicamente  em  rebanhos  e manadas, como ocorria com os patriarcas. O próprio Jó oferece sacrifícios pela sua  família,  como  era  o  costume  dos  patriarcas.  No  entanto,  ele  parece desconhecer a oferta pelo pecado e outras práticas mosaicas.
A data do livro de Jó permanece uma questão aberta, mas a opinião majoritária é que o diálogo ocorreu no século VII a.C.  Levanta-se a hipótese que tenha sido escrito entre Gn 11 e 12.

O livro de Jó lida com uma pergunta universal:
 
“Se Deus é justo e amoroso, por que permite que um homem realmente justo, tal  como  Jó  (Jó  1.1,8)  sofra  tanto?”
 Sobre  esse  assunto  o  livro  revela  as seguintes verdades:

(a) Satanás, como adversário de Deus, teve permissão para provar a autenticidade da fé de um homem justo, por meio da aflição, mas a graça de Deus triunfou sobre o sofrimento, porque Jó permaneceu firme e constante na fé, mesmo quando parecia não haver qualquer proveito em permanecer fiel a Deus. 
 (b) Deus lida com situações demais elevadas para a plena compreensão da mente humana (Jó 37.5). Nesses casos, não vemos as coisas com a amplitude que Deus vê e precisamos da sua graciosa autorrevelação (Jó 38—41). 
(c) A verdadeira base da fé acha-se, não nas bênçãos de Deus, nem em circunstâncias pessoais, nem em teses formuladas pelo intelecto, mas na revelação do próprio Deus. 
(d) Deus, às  vezes,  permite  que  Satanás  prove  os  justos  mediante contratempos,  a  fim  de  purificar  a  sua  fé  e  vida,  assim  como  o  ouro  é refinado pelo fogo (Jó 23.10; confronte 1Pe 1.6,7). Tal provação resulta numa maior integridade espiritual e humildade do seu povo (Jó 42.1-10). 
(e) Embora os métodos de Deus agir, às vezes, pareçam contraditórios e cruéis (conforme o próprio Jó pensava), ver-se-á, no fim, que Ele é plenamente compassivo e misericordioso (Jó 42.7-17; confronte Tg 5.11).  


A Provação de Satanás 

Uma das primeiras referências do Antigo Testamento a esse adversário é seu aparecimento no prólogo. Satanás tem acesso à presença de  Javé,  mas  é  governado  pela  soberania  Dele.  Nada  dá  a  entender  que Satanás  seja  mais  que  criatura  de  Deus;  a  doutrina  bíblica  da  criação  bane toda  forma  real  de  dualismo.  Mas  tudo  dá  a  entender  que  as  intenções  de Satanás são nocivas. Ele representa o conflito e a inimizade. Seus propósitos são contrários aos alvos de Deus e hostis ao bem-estar de Jó. 
A ausência de Satanás no epílogo não deve ser "lamentada como uma falha na harmonia  entre  o  prólogo  e  o  epílogo".  Trata-se de um fator deliberado na mensagem do livro. Deus, não Satanás, é soberano. O teste foi vencido. A história aponta para o futuro de Jó, não seu passado. Satanás não passa de um intruso no relacionamento entre Deus e Jó, conforme descrito no início e no fim do livro. 
A função de Satanás em Jó anuncia sua função no restante da Bíblia. Ele é uma criatura de Deus, mas um inimigo da vontade de Deus (cf. Mt 4.1-11; Lc 4.1-13).  Ele  procura  perturbar  o  povo  de  Deus  física  (2Co  12.7)  e  espiritualmente (11.14). Ele foi derrotado pela obediência de Cristo e desaparecerá da história no final (Ap 20.2,7, 10). 
O centro da estratégia de Satanás não era induzir Jó a cometer pecados tais como imoralidade, desonestidade ou violência, mas tentá-lo para que cometesse o pecado - ser desleal a Deus. A lealdade, a confiança e a fidelidade são a essência da piedade bíblica, as raízes de onde brotam todos os frutos da justiça. Satanás, seguindo seu padrão de sempre, buscou a raiz do problema: o relacionamento de Jó com Deus. Jó passou pelo teste de lealdade e conquistou notas máximas, apesar de seus protestos e contestações.  




Esboço do Livro 

I. Prólogo: A Crise (1.1—2.13) 
A. Jó, Sua Retidão e Seu Temor a Deus (1.1-5)
B. As Calamidades Sobrevindas a Jó (1.6—2.10)
C. Os Três Amigos de Jó (2.11-13) II. Diálogos entre Jó e Seus Amigos: A Busca de Resposta Humanista (3.1— 31.40) 

A. Primeiro Ciclo de Diálogos:
A Justiça de Deus (3.1—14.22)
 1. Jó Lamenta o Dia do Seu Nascimento (3.1-26)
 2. Resposta de Elifaz (4.1—5.27)
 3. Réplica de Jó (6.1—7.21)
 4. Resposta de Bildade (8.1-22)
 5. Réplica de Jó (9.1—10.22)
 6. Resposta de Zofar (11.1-20)
 7. Réplica de Jó (12.1—14.22) 

B. Segundo Ciclo de Diálogos:
 O Fim do Ímpio (15.1—21.34)
 1. Resposta de Elifaz (15.1-35)
 2. Réplica de Jó (16.1—17.16)
 3. Resposta de Bildade (18.1-21) 4. Réplica de Jó (19.1-29)
 5. Resposta de Zofar (20.1-29)
 6. Réplica de Jó (21.1-34)

C. Terceiro Ciclo de Diálogos:
 Jó e o Problema do Pecado (22.1—31.40)
 1. Resposta de Elifaz (22.1-30)
 2. Réplica de Jó (23.1—24.25)
 3. Resposta de Bildade (25.1-6)
 4. Réplica de Jó (26.1-14)
 5. Jó Resume a Sua Posição (27.1—31.40)
III. Discursos de Eliú: O Começo do Entendimento (32.1—37.24)
A. Apresentação de Eliú (32.1-6a)
B. Primeiro Discurso: Deus Instrui o Ser Humano Através da Aflição (32.6b—33.33) 
C. Segundo Discurso: A Justiça de Deus e a Presunção de Jó (34.1-37)
 D. Terceiro Discurso: A Retidão é Recompensada (35.1-16)
 E.  Quarto  Discurso:  A  Excelsa  Grandeza  de  Deus  e  a  Ignorância  de  Jó (36.1—37.24) 
IV. O Senhor Responde a Jó Diretamente (38.1—42.6)
 A. Deus Demonstra a Ignorância de Jó (38.1—40.2)
B. A Humildade de Jó (40.3-5) 
C. Deus Repreende a Jó por Sua Crítica (40.6—41.34) 
D. Jó Confessa Sua Ignorância dos Caminhos de Deus (42.1-6)
 V. Epílogo: Desfecho da Prova (42.7-17)
 A. Jó Ora pelos Seus Três Amigos (42.7-9)
 B. A Dupla Bênção de Jó (42.10-17)



Unidade 2

O livro dos Salmos

O título em português vem da tradução grega, Septuaginta, concluída em cerca de 150 a.C. Psalmoi, o termo grego, significa "cânticos" ou "cânticos sagrados" e   é   derivado   da   raiz   que   significa  "impulso,   toque",   em   cordas   de   um instrumento  de  cordas.  O  título  hebraico  é  Tehillim,  e  significa  "louvores"  ou "cânticos de louvor". 
Os  Salmos  têm  uma  importância  especial  na  Bíblia.  Lutero  descreveu  esse  livro como "uma Bíblia em miniatura" (THOMPSON, 1962, p. 1059). Calvino o descreveu como "uma anatomia de todas as partes da alma", visto que, como explicou, "não existe    emoção    que    não    é    representada    aqui    como    em    um    espelho". Johannes Arnd escreveu: "O que o coração é para o homem, os Salmos são para a Bíblia". Oesterley descreve os Salmos como "a maior sinfonia de louvor a Deus que já foi escrita na terra". 
O Saltério hebraico detém uma posição singular na literatura religiosa da humanidade.  Ele  tem  sido  o  hinário  de  duas  grandes  religiões  e  tem expressado a vida espiritual mais profunda dessas religiões ao longo dos séculos.  Esse  Saltério  tem  ministrado  a  homens  e  mulheres  de  raças, línguas  e  culturas  muito  diferentes.  Ele  tem  trazido  conforto  e  inspiração aos  aflitos  e  abatidos  de  coração  em  todas  as  épocas.  Suas  palavras podem   se   adaptar   às   necessidades   das   pessoas   que   não   têm conhecimento algum acerca de sua forma original e pouca compreensão a respeito das condições sob as quais foi formado. Nenhuma outra parte do Antigo  Testamento  tem  exercido  uma  influência  tão  ampla,  profunda  e permanente na alma humana. 
O lugar que Salmos recebe no Novo Testamento claramente testifica sobre o valor  desse  importante  livro.  Dos  aproximadamente  263  textos  do  Antigo Testamento citados no Novo Testamento, um pouco mais de um terço, ou seja, um total de 93 é tirado do livro de Salmos. Alguns deles, mais particularmente os  Salmos  2  e  110,  são  citados  diversas  vezes.  W.  E.  Barnes  escreve: "Somente  a  existência  de  uma  verdadeira  continuidade  espiritual  entre  os Salmos  e  o  Evangelho  pode  explicar  o  profundo  sentimento  de  afeição  com que os cristãos de todas as épocas têm tratado o Saltério".

 Esboço do Livro

 I Livro 1 Salmos 1—41
 II Livro 2 Salmos 42—72
III Livro 3 Salmos 73—89 
IV Livro 4 Salmos 90-106
V Livro 4 Salmos 107-150

Duas observações quanto ao esboço acima são dignas de nota: Desde os tempos antigos, os 150 salmos são organizados em cinco livros, tendo cada um, na sua conclusão, uma enunciação de louvor e invocação dirigida a Deus, a saber: Livro 1 — 41.13; Livro 2 — 72.19; Livro 3 — 89.52; Livro 4 — 106.48; Livro 5 — 150.1-6. O salmo 150 não é apenas o último dos salmos; é também uma enunciação de louvor e invocação a Deus; ele é também uma doxologia para todo o saltério.

Estrutura do Livro 

Desde  os  primórdios  da  sua  história  o  livro  de  Salmos  no  hebraico  tem  sido subdividido em cinco "livros" ou divisões que são especificados na maioria das traduções  modernas.  O  Livro  I  inclui  os  Salmos  1-41.  O  Livro  lI,  inclui  os Salmos 42-72, o Livro IlI, os Salmos 73-89, o Livro IV, os Salmos 90-106 e o Livro V, os Salmos 107-150. 
O Midrash judaico, ou comentário dos Salmos, compara esses cinco livros com os cinco livros de Moisés, o Pentateuco. A divisão está provavelmente relacionada com o ciclo de três anos da leitura da Lei que predominava na Palestina primitiva. O livro de Gênesis era lido nos primeiros quarenta e um sábados. A leitura de Êxodo começava no quadragésimo segundo sábado, Levítico  no  septuagésimo  terceiro  sábado,  Números  no  nonagésimo  e Deuteronômio   no   centésimo   sétimo   sábado   correspondendo   com   o primeiro salmo de cada livro. 
Também é provável que o livro de Salmos atual seja, na verdade, uma coleção de coleções. Isto se observa tanto na natureza como no agrupamento de títulos e na afirmação em 72.20: "Findam aqui as orações de Davi, filho de Jessé". Um exame nos títulos dos salmos no Livro I revela que todos eles são creditados a Davi com exceção de 1; 2; 10 e 33.

Curiosidade:
Os Salmos 146 - 150 são conhecidos como o Grande HalIel. Cada um desses cinco salmos inicia e termina com a palavra hebraica Hallelu-Yah, que significa: "Louvai ao Senhor".   

Abordagem introdutória 

O  livro  de  Salmos  é  o  primeiro  livro  na  terceira  divisão  da  Bíblia  hebraica. Conhecida como Kethubhim ou Escritos, essa terceira divisão era popularmente  conhecida  pelo  nome  do  primeiro  livro,  isto  é,  "Os  Salmos". Deste modo, Jesus incluiu todo o Antigo Testamento no que tange às profecias a seu respeito "na Lei de Moisés, e nos Profetas, e nos Salmos" (Lc 24.44).  
Um  dos  valores  mais  importantes  dos  Salmos  para  o  estudo  do  Antigo Testamento  é  a  percepção  que  se  recebe  acerca  da  verdadeira  natureza  da religião  do  Antigo  Testamento.  Os Salmos mostram claramente que nos tempos do Antigo Testamento a piedade era uma fé viva, espiritual, alegre e  intensamente  pessoal. Os  Salmos refletem  um  nível  de  espiritualidade  que muitos da dispensação cristã mais favorecida não conseguem alcançar. Os Salmos representam o aspecto interior e espiritual da religião de Israel. Eles são a expressão múltipla da intensa devoção das almas piedosas a Deus, do  sentimento  de  confiança,  esperança  e  amor  que  alcançava  um clímax em diversos Salmos como o 23; 42; 43; 63 e 84. Eles são a voz da oração de tonalidade múltipla no sentido mais amplo, à medida que a alma se dirige a  Deus por meio da confissão,  petição, intercessão, meditação, ações  de  graças,  louvor,  tanto  em  público  como  em  particular.  Eles oferecem a prova mais completa, se é que isso era necessário, de como é completamente falsa a noção de que a religião de Israel  era um sistema formal de ritos e cerimoniais externos.    


A Data dos Salmos
 
A metade dos salmos foi escrita por Davi. Os títulos o identificam como autor de 73 salmos. Atos 4:25 e Hebreus 4:7 atribuem mais dois ao segundo rei de Israel. Salomão, o filho de Davi, acrescentou mais dois (72 e 127), e Moisés escreveu um (90). Vários homens que conduziam o louvor em Jerusalém (Asafe, Etã e os descendentes de Corá) escreveram 25 dos salmos. Os autores de quase um terço dos salmos não se identificam.
Assim, as datas dos salmos abrangem, pelo menos, nove séculos. Moisés escreveu no 15º século a.C., e alguns dos salmos foram escritos depois da volta do cativeiro (veja, por exemplo, Salmo 147:2), que aconteceu no 6º século a.C. A grande maioria vem da época do reino unido, quando a arca da aliança foi levada a Jerusalém, e o templo foi construído naquela cidade.
A diversidade dos salmos traz uma riqueza especial à sua qualidade como exemplos de adoração. Eles tratam de toda espécie de experiência humana. Falam de vitória e alegria, e de medo e perseguição. Refletem as emoções de homens espirituais gozando comunhão com o Criador, e de pecadores sentindo falta dele. Pedem bênçãos sobre os justos e punição dos ímpios. Podemos aprender muito das diversas experiências de Davi, Asafe e outros salmistas de Israel.


Compilação 

Sabe-se  que  existiram  hinos,  usados  no  culto  em  Babilônia  e  no  Egito,  por muitos séculos antes de Abraão e José. Embora fosse um caso notável se a salmodia hebraica não se apresentasse sinais de ter crescido de tal solo, uma semelhança  de  estrutura  literária,  como  por  exemplo,  o  uso  extenso  do paralelismo, não é índice de igual riqueza e vigor espirituais. Neste aspecto, os Salmos de Israel não têm rival. A base do Saltério parece ser constituída por uma coleção dos hinos davídicos.
O grupo principal pareceria ser Sl 51-72, mas há outros grupos davídicos, nomeadamente, 2-41 (omitindo o 33), 108-110 e 137-145. Talvez nem todos estes sejam atribuíveis a Davi, mas a sua composição marca o estilo e constitui o núcleo. É presumível que tenha havido mais do que um centro onde os hinos hebraicos foram colecionados, do mesmo modo que houve mais do que uma "escola de profetas". Durante os séculos em que estes grupos se fundiram, algumas repetições foram aceitas. Estas continham habitualmente variantes, em que aparecia a palavra Eloim para o nome de Deus, de hinos que se referiam a Deus como Jeová, mas havia ainda outras diferenças ligeiras (2Sm 22 e Sl 18). Os principais salmos duplicados são o Sl 14 e o Sl 53; o 40.13-17 e o Sl 70. 
Pouco depois da constituição dos primeiros grupos davídicos vieram associar- se com eles duas coleções de Salmos levíticos, a de Coré (42-49) e a de Asafe (50, 73-83). Alguns destes podem ter-se originado nos principais regentes das escolas de cantores (1Cr 6.31,39); outros receberam os seus títulos como uma indicação  do  estilo  ou  do  lugar  de  origem.  Os  Salmos  de  Asafe  são  mais didáticos, dão maior proeminência às tribos de José e fazem um maior uso da imagem  do  pastor  e  do  discurso  direto  por  parte  de  Deus.  A  estes  grupos combinados foram acrescentados uns poucos Salmos anônimos (33; 84-89) e também o Sl 1, introdutório. 
Os Salmos restantes, 90-150, revestem-se de um caráter muito mais litúrgico e incluem  vários  grupos  de  hinos  que  têm  uma  forte  unidade  tradicional,  por exemplo, o Hallel Egípcio (113-118), os quinze Cânticos dos Degraus (120134), e  o  grupo  final  (145-150).  Outros,  como  95-100  (os  cânticos  sabáticos  de alegria),   estão   obviamente   relacionados   uns   com   os   outros   como   estão também  os  Salmos  92-94  e  103-104.  Moisés  foi  tradicionalmente  associado com os  Salmos 90 e 91, e há um fundo histórico comum para Salmos como 105-107;  135-136.   Não é possível explicar como estes grupos de Salmos chegaram a ser selecionados, coordenados e finalmente combinados numa grande coleção. A poucos deles pode atribuir-se uma data definida; uns são de Davi, outros são distintamente pós-exílicos. É absolutamente possível que muitos tenham sido revistos através de séculos de uso litúrgico. (Nota: alguns "Salmos" aparecem dispersos pelo Velho Testamento, como, por exemplo, Êx 15.1-21; Dt 32; Jn 2; Hc 3 e mesmo os oráculos de Balaão em Nm 23-24).  
Deve notar-se também que Salmos em que aparece o pronome "EU" podem não ter sido originalmente pessoais. A sociedade hebraica encontrava-se de tal modo unida que o indivíduo podia identificar-se com o grupo a que pertencia e o povo, como um todo, podia ser considerado como uma personalidade coletiva. Eis por que muitos Salmos, que parecem ser pessoais, podem entender-se como expressões de uma comunidade unificada por alguma experiência geral e falando por meio de uma pessoa representativa. 

Interpretação 

A interpretação dos Salmos depende do nosso conhecimento da condição da crença  religiosa  e  da  revelação  ao  tempo  da  sua  composição  e  da  nossa própria  experiência  de  Deus  em  Cristo.  Pensa-se  muitas  vezes  que  certas passagens  se  referem  à  vida  depois  da  morte  (por  exemplo,  16.10;  17.15; 49.16; 73.24,36; 118.17), e tanto quanto conhecermos o poder da ressurreição de Cristo, podemos ler tais declarações à luz daquela verdade. O salmista não conhecia tal certeza, embora compartilhasse com o profeta um discernimento parcial  de  coisas  maiores  do  que  podia  expressar  em  palavras.  Certamente que  estas  passagens  não  se  encontravam  vazias  de  esperança  quando primeiramente foram enunciadas, mas a qualidade dessa "certeza" é que era variável.  Constituía  principalmente  uma  inferência  da  experiência  pessoal  do autor com Deus e a sua percepção de um propósito divino correndo através da História.  Ele  tinha  fé  suficiente  para  vislumbrar  a  promessa,  embora  esta estivesse  muito  longínqua.  As  suas  palavras  podem  incluir,  muitas  vezes,  a esperança  de  ser  livrado  de  uma  morte  física  imediata,  mas  não  podemos limitar a isso o seu significado. O elemento de predição é mesmo mais forte na forma profética, mais geral, de  alguns  Salmos.  É  verdade  que  cada  predição  tem  de  esperar  pelo cumprimento   antes   de   poder   ser   completamente   compreendida,   mas existe, de algum modo, desde a sua primeira expressão. Por exemplo, o Sl 16.8-11 é interpretado em At 2.25-32 e o Sl 2 é compreendido em At 4.26; Hb  1.5;  5.5,  de  uma  forma  que  esclarece  e  preenche  completamente  o que, na maior parte, podia ter sido apenas parcial e esquemático na mente do  salmista.  De  fato,  a  origem  da  ideia  pode  ter  para  ele  uma  relação secundária com a sua interpretação final. A revelação de Deus em Cristo é o ponto central da história do mundo (Hb 9.26; Rm 8.19-22). Não é, pois, surpreendente que, à medida que os séculos deslizam para o passado, tal verdade   eterna   causasse   em   homens   piedosos   uma   "advertência" crescente de acontecimentos iminentes e relacionados. O Senhor escolheu Israel para certo propósito. Do ponto de vista divino esse objetivo já estava cumprido  (1Pe  1.20;  Ef  1.10)  e  a  corrente  da  experiência  humana,  sob Deus,  incluía  recursos  que  tornavam  possível  a  sua  revelação. 
Em conclusão, devemos considerar o Saltério de um modo muito semelhante à forma como encaramos uma catedral; não meramente como um agregado de estilos arquitetônicos e sistemas decorativos constituídos pelo curso da história numa unidade, mas como um lugar cujo propósito é servir de auxílio no culto a Deus. Contudo, por mais interessantes que sejam os elementos de arquitetura ou  literários,  ambos  perderiam  a  razão  essencial  da  sua  existência  se  o  seu significado espiritual e função fossem ignorados ou rebaixados. 
Os salmos são respostas dos sacerdotes e do povo diante dos atos de livramento e de revelação de Deus na história deles. São revelação e também resposta. Por meio deles aprende-se o que a salvação divina em sua variada plenitude significa para o povo de Deus, bem como o nível de adoração  e  a  amplitude  da  obediência  a  que  devem  almejar.  Não  é  de surpreender  que  Salmos,  juntamente  com  Isaías,  tenha  sido  o  livro  mais citado  por  Jesus  e  seus  apóstolos.  Os  cristãos  primitivos,  como  seus antepassados judeus, ouviram a palavra de Deus nesses hinos, queixas e instruções e fizeram deles o fundamento da vida e do culto.

O Louvor a Deus
 
Sl 9.1,2 “Eu te louvarei, SENHOR, de todo o meu coração; contarei todas as tuas maravilhas. Em ti me alegrarei e saltarei de prazer; cantarei louvores ao teu nome, ó Altíssimo.” 



A.   A importância do louvor 

O Antigo Testamento emprega três palavras básicas para conclamar os israelitas a louvarem a Deus: a palavra barak (também traduzida “bendizer”); a palavra balal (da qual deriva a palavra “aleluia”, que literalmente significa “louvai ao Senhor”); e a palavra yadah (às vezes traduzida por “dar graças”). 
O  primeiro  cântico  na  Bíblia,  entoado  depois  de  os  israelitas  atravessarem  o mar Vermelho, foi, em síntese, um hino de louvor e ação de graças a Deus (Êx 15.2).  Moisés  instruiu  os  israelitas  a  louvarem  a  Deus  pela  sua  bondade  em conceder-lhes a terra prometida (Dt 8.10). O cântico de Débora, por sua vez, congregou o povo expressamente para louvar ao Senhor (Jz 5.9). A disposição de  Davi  em  louvar  a  Deus  está  gravada,  tanto  na  história  da  sua  vida  (2Sm 22.4,47,50;  1Cr  16.4  ,9,  25,  35,  36;  29.20),  como  nos  salmos  que  escreveu (9.1,2;   18.3;   22.23;   52.9;   108.1,   3;   145).   Os   demais   salmistas   também convocam o povo de Deus a, enquanto viver, sempre louvá-lo (33.1,2; 47.6,7; 75.9; 96.1-4; 100; 150). Finalmente, os profetas do Antigo Testamento ordenam que o povo de Deus o louve (Is 42.10,12; Jr 20.13; Sl 12.1; 25.1; Jr 33.9; Jl 2.26; Hc 3.3). 

UNidade 3

Os escritos de Salomão:
Provérbios, Eclesiastes e Cantares (Cântico dos Cânticos)



1 - Provérbios

A  palavra  traduzida  "provérbio"  (mashal)  se  deriva  de  uma  raiz  que  parece significar "representar" ou "assemelhar-se". Sua significação básica, portanto, é uma  comparação  ou  símile.  Seu germe  pode  ser  uma  analogia  entre  os mundos  natural  e  espiritual  (cf.  1Rs  4.33  e  Pv  10.26).  A mesma palavra é apropriadamente   traduzida   como   "parábola"   em   Ez   17.2.   Esse  termo, entretanto, também denotava afirmações onde nenhuma analogia é evidente e veio a designar um dito expressivo ou máxima (cf. 1Sm 10.12). 
Porém,  os  provérbios  deste  livro  não  são  tanto  máximas  populares  como  a destilação da sabedoria de mestres que conheciam a lei de Deus e estavam aplicando  seus  princípios  a  todos  os  aspectos  da  vida. 
O livro de  Provérbios  é  uma  antologia  inspirada  de  sabedoria  hebraica.  Esta sabedoria,  no  entanto,    não    é    meramente    intelectual    ou    secular.    É principalmente a  aplicação  dos  princípios  da  fé  revelada  às  tarefas  da  vida diária. Nos Salmos temos o hinário dos hebreus; em Provérbios temos o seu manual para a justiça diária. Neste último encontramos orientações práticas e éticas para a religião pura e sem mácula.
Dito de outra forma, o livro de Provérbios representa a sabedoria inspirada dos sábios. A palavra hebraica mashal, traduzida por “provérbio”, tem os sentidos de “oráculo”, “parábola”, ou “máxima sábia”. Por isso, há declarações longas no livro de Provérbios (por exemplo, 1.20-33; 2.1-22; 5.1-14), mas há também as concisas, mas ricas de sentido e sabedoria, para se viver de modo prudente e justo. O conteúdo de Provérbios representa uma forma de ensino comum no Oriente antigo, mas no caso deste livro, sua sabedoria é diferente porque veio da parte de Deus, com seus padrões justos para o povo do seu concerto.  O ensino mediante provérbios era popular naqueles antigos tempos, em virtude da sua grande clareza e facilidade de memorização e transmissão de geração em geração. 
Assim como Davi é o manancial da tradição salmódica em Israel, Salomão é o manancial da tradição sapiencial em Israel (ver Pv 1.1; 10.1; 25.1). Conforme 1Rs 4.32, Salomão produziu 3.000 provérbios e 1.005 cânticos. Outros autores mencionados por nome em Provérbios são Agur (Pv 30.1-33) e o rei Lemuel (Pv 31.19), ambos desconhecidos. 

Definição e Forma literária
 
A  palavra  "provérbio",  em  nossos  dias  significa  um  ditado  breve  e  incisivo, expressando   uma   observação   verdadeira   e   conhecida   concernente   à experiência  humana  - por  exemplo:  "Deus  ajuda  quem  cedo  madruga".  Há diversas  coletâneas  de  provérbios  modernos  publicadas  nas  mais  diversas línguas  e  culturas.  Para  o  antigo  hebreu,  no  entanto,  a  palavra  "provérbio" (mashal) tinha um significado muito mais amplo. Era usada não somente para expressar uma máxima, mas para interpretar um ensino ético da fé do povo de Israel.  A  palavra  vem  do  verbo  que  significa  "ser  como"  ou  "comparar".  Por isso,  no  livro  de  Provérbios  encontramos  uma  série  de  símiles,  contrastes  e paralelismos. O paralelismo de duas linhas é a forma predominante encontrada em Provérbios. Dentro dos limites desse modo de expressão há uma variedade extraordinária.  Existe  o  paralelismo  antitético  (10.1),  o  paralelismo  sinônimo (22.1)   e   o   paralelismo   progressivo,   ou   sintético   (11.22).   Encontramos   o paralelismo  também  em  outras  partes  das  Escrituras  do  Antigo  Testamento, especialmente em Salmos. 
O livro de Provérbios é escrito e estruturado em forma poética, sendo que os ditos aparecem geralmente em parelhas de versos (dísticos). Muitas versões e traduções  modernas  seguem  o  padrão  poético  do  original  hebraico.  Não  é difícil  perceber  a  estrutura  das  partes  principais  do  livro.  No  entanto,  o conteúdo em cada uma dessas partes muitas vezes resiste a um arranjo bem organizado. Em muitos casos não há conexão lógica entre um provérbio e os adjacentes.  

Autoria
 
O título geral é "Provérbios de Salomão, filho de Davi". Em diversos pontos do livro, entretanto, ocorrem rubricas que denotam a autoria de diferentes seções. Assim, há seções atribuídas a Salomão em 10.1 e aos "sábios", em 22.17  e  24.23.  Em  25.1  existe  uma  interessante  rubrica:  "provérbios  de Salomão,  os  quais  transcreveram  os  homens  de  Ezequias,  rei  de  Judá";  o capítulo 30 é introduzido como: "palavras de Agur, filho de Jaque"; e o capítulo 31 com os seguintes termos: "palavras do rei Lemuel", ou melhor, de sua mãe.  

Salomão 
No  livro  de  Provérbios,  a  sabedoria  não  é  simplesmente  intelectual,  mas envolve o homem inteiro. Salomão amava ao Senhor (1Rs 3.3); ele orou pedindo um coração entendido pala discernir entre o bem e o mal (1Rs 3.9,12); sua sabedoria foi-lhe proporcionada   por   Deus   (1Rs   4.29),   e   era   acompanhada   por   profunda humildade (1Rs 3.7); foi testada em questões práticas, tais como administração justa (1Rs 3.16-28) e diplomacia (1Rs 5.12). Sua sabedoria tornou-se famosa no oriente (1Rs 4.30 e segs.; 10.1-13); ele compôs provérbios e cânticos (1Rs 4.32) e respondeu "enigmas" (1Rs 10.1); e muito de sua coletânea de fatos foi tirado da natureza (1Rs 4.33). 
Consideramos que as coleções em Pv. 10-22.13 e 25-29 vieram substancialmente  dele.  Existem, naturalmente,  outros  elementos  salomônicos em  outras  porções  do  livro.  Mas  mesmo  assim,  essas  coleções  podem  ser apenas uma seleção inspirada dentre sua sabedoria, pois não existem cerca de 3.000 provérbios em todo o livro de Provérbios (cf. 1Rs 4.32). 
A tradição hebraica atribuiu o livro de Provérbios a Salomão assim como atribuiu o de Salmos a Davi. Israel considerava o rei Salomão o seu sábio por excelência. E há justificativas suficientes para esse reconhecimento. O reinado de quarenta anos de Salomão em Israel foi realmente brilhante. É evidente que esses anos não deixaram de ter os seus defeitos. Os muitos casamentos de Salomão não contam pontos a favor dele (1Rs 11.1-9). Na parte final do seu reinado ele preparou o cenário para a dissolução do seu grande império (1Rs 12.10). Não obstante, ele realizou um ótimo reinado durante   os   anos   dourados   de   prosperidade   e   poder   de   Israel.   A arqueologia   é   testemunha   das   suas   habilidades   na   arquitetura   e engenharia,  da  sua  competência  na  administração  e  da  sua  capacidade como industrialista. O historiador sacro de 1Reis nos conta que Salomão amou o Senhor (3.3); ele orou pedindo a Deus um coração compreensivo (3.3-14);   ele   mostrou   possuir   sabedoria   em   questões   práticas   da administração (3.16-28); a sua sabedoria foi concedida por Deus (4.29); ele era conhecido por sua sabedoria superior entre as nações vizinhas (4.29-34); ele escreveu 3.000 provérbios e mais de mil hinos (4.32); e foi capaz de responder às perguntas mais difíceis da rainha de Sabá.
Existem  pelo  menos  duas  coleções  de  "palavras  dos  sábios"  no  livro  de Provérbios; estas se encontram em 22.17-24.22 e em 24.23-34. Talvez que os capítulos 1-9, que contêm uma exposição do alvo e do conteúdo do "conselho dos sábios", venham da mesma origem. É virtualmente impossível datar essas coleções.   Provavelmente   representam   a   sabedoria   destilada   de   muitos indivíduos que temiam a Deus e viveram dentro de um considerável período de tempo. Porém muito desse material é de data antiga. E. J. Young sugere que pode ser até pré-salomônico.

Data 

 Quando foram as coleções de provérbios reunidas,  formando  um  livro  conforme  o  conhecemos  agora?  Embora grande parte do livro de Provérbios tenha sua origem na época de Salomão, no décimo  século  a.C.,  a  conclusão  da  obra  não  pode  ser datada  antes  de  700 a.C., aproximadamente duzentos  e cinquenta anos após o seu reinado. Uma seção  contém  a  coleção  de  provérbios  que  os  escribas  de Ezequias copiaram de obras anteriores de Salomão. Alguns estudiosos datam a  edição  final  de  Provérbios  ainda  mais  tarde,  mas  antes  do  período  de conclusão  do  Antigo  Testamento  - 400  a.C.  Outros  ainda  chegam  a  datar  a edição final no período inter-testamental. Uma referência ao livro de Provérbios no livro apócrifo de "Eclesiástico" ("A Sabedoria de Jesus Ben Sirach"), escrito em  torno  de  180  a.C.,  indica  que  nessa  época  Provérbios  era  amplamente aceito como parte da tradição religiosa e literária de Israel. 

Mensagem Relevante 

A mensagem do livro de Provérbios é sempre relevante. Os seus ensinos "cobrem todo o horizonte dos interesses práticos do cotidiano, tocando em cada faceta da existência humana. O homem é ensinado a ser honesto, diligente, autoconfiante, bom vizinho, cidadão ideal e modelo de marido e pai. Acima de tudo, o sábio deve andar de forma reta e justa diante do Senhor". (PURKISER, 1955, p. 255). 
A  sabedoria  de  Provérbios  coloca  Deus  no  centro  da  vida  do  homem.  A  sabedoria expressa  por  Salomão  no  Antigo  Testamento,  teria  a  sua  revelação  mais  plena  em Jesus Cristo nos dias da nova aliança. Disse Jesus: "A Rainha do Sul se levantará no Dia do Juízo com esta geração e a condenará, porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. E eis que está aqui quem é mais do que Salomão" (Mt 12.42; Lc 11.31). Paulo falou de Cristo como a "sabedoria de Deus" (1Co 1.24; CI 2.3). Kidner  diz  que  no  livro  de  Provérbios  a  sabedoria  "é  centrada  em  Deus,  e  mesmo quando é extremamente real e relacionada ao dia-a-dia consiste da maneira inteligente e sadia de conduzir a vida no mundo de Deus, em submissão à sua vontade".




 Sabedoria  é  encontrar  a  graça  de  Deus  e  viver  diariamente  em harmonia com os propósitos salvadores que Ele tem para nós. 

Dessa forma, Provérbios é o  livro  mais  prático  do  Antigo  Testamento,  pois  abrange  uma ampla  área  de  princípios  básicos  de  relacionamentos  e  comportamentos corretos na vida cotidiana — princípios estes aplicáveis a todas as gerações e culturas. 
Sua sabedoria prática, seus preceitos santos, e seus princípios básicos para a vida são expressos  em  declarações   breves   e   convincentes,   de   fácil memorização e recordação pela juventude como diretrizes para a vida. 
A família ocupa um lugar de vital importância em Provérbios, assim como ocupava no concerto entre Deus e Israel (confronte Êx 20.12, 14, 17; Dt 6.19). Pecados que violam o propósito de Deus para a família são expostos abertamente com a devida advertência contra eles. 

Ponto Saliente: O Coração 


Pv 4.23 “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as saídas da vida.” 

Definição de coração 

O povo da atualidade geralmente considera que o cérebro é o centro diretor da atividade humana. A Bíblia, no entanto, refere-se ao coração como esse centro; “dele procedem as saídas da vida” (4.23; cf. Lc 6.45). Biblicamente, o coração pode ser considerado  como  algo  que abarca  a  totalidade  do  nosso  intelecto, emoção e vontade (Mc 7.20-23). 
O  coração  é  o  centro  do  intelecto.  As  pessoas  sabem  as  coisas  em  seus corações  (Dt  8.5),  oram  no  coração  (1Sm  1.12,13),  meditam  no  coração  (Sl 19.14), escondem a Palavra de Deus no coração (Sl 119.11), maquinam males no coração (Sl  140.2),  guardam  as  palavras  da sabedoria no coração (4.21), pensam  no  coração  (Mc  2.8),  duvidam  no  coração  (Mc  11.23),  conferem  as coisas no coração (Lc 2.19), crêem no coração (Rm 10.9) e cantam no coração (Ef 5.19). Todas essas ações do coração são primordialmente fatos a envolver a mente. 
O coração é o centro das emoções. A Bíblia fala a respeito do coração alegre (Êx 4.14), do coração amoroso (Dt 6.5), do coração medroso (Js 5.1), do coração corajoso (Sl 27.14), do coração arrependido (Sl 51.17), do coração ansioso (12.25), do coração irado (19.3), do coração avivado (Is 57.15), do coração angustiado (Jr 4.19; Rm 9.2), do coração gozoso (Jr 15.16), do coração pesaroso (Lm 2.18), do coração humilde (Mt 11.29), do coração ardente pela Palavra do Senhor (Lc 24.32) e do coração perturbado (Jo 14.1). Todas essas atitudes do coração são, antes de tudo, de natureza emocional. 
Por  fim,  o  coração  é  o  centro  da  vontade  humana.  Lemos  nas  Escrituras  a respeito do coração endurecido que se recusa a fazer o que Deus ordena (Êx 4.21),  do  coração  submisso  a  Deus  (Js  24.23),  do  coração  que  decide  fazer algo para Deus (2Cr 6.7), do coração que se dedica a buscar o Senhor (1Cr 22.19), do coração que deseja receber as bênçãos do Senhor (Sl 21.1-3), do coração inclinado aos estatutos de Deus (Sl 119.36) e do coração que deseja fazer algo pelos outros (Rm 10.1). Todas essas atividades ocorrem na vontade humana. 





                  


A natureza do coração distante de Deus

Quando  Adão  e   Eva   deram   ouvidos   à   tentação   da   serpente   para   que comessem da árvore do conhecimento do bem e do mal, sua decisão afetou horrivelmente  o  coração  humano,  o  qual  ficou  repleto  de  maldade.  Desde então, segundo  o testemunho de Jeremias: “Enganoso é o  coração,  mais  do que  todas  as  coisas,  e  perverso;  quem  o  conhecerá?”  (Jr  17.9).  Jesus confirmou  a  descrição  de  Jeremias,  quando  disse  que  o  que  contamina  uma pessoa diante de Deus não é o descumprimento de uma lei cerimonial, mas, sim, a obediência às inclinações malignas alojadas no coração tais como “os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, os furtos, a avareza,  as  maldades,  o  engano,  a  dissolução,  a  inveja,  a  blasfêmia,  a soberba,  a  loucura”  (Mc  7.21,22).  Jesus  expôs  a  gravidade  do  pecado  no coração ao declarar que o pecado da ira é igual ao assassinato (Mt 5.21,22), e que  o  pecado  da  concupiscência  é  tão  grave  como  o  próprio  adultério  (Mt 5.27,28; Êx 20.14; Mt 5.28). 
Um coração entregue à prática da iniquidade corre o grave risco de tornar-se endurecido.  Quem  se  recusa  continuamente  a  ouvir  a  palavra  de  Deus  e  a obedecer ao que Deus ordena e, em vez disso, segue os desejos pecaminosos do seu coração, verá que, depois, Deus endurecerá seu coração de tal modo que se tornará insensível para com a Palavra de Deus e os apelos do Espírito Santo (Êx 7.3; Hb 3.8). O principal exemplo bíblico desse fato é o coração de Faraó,  na  ocasião  do  êxodo  (Êx  7.3,  13,  22-23;  8.15,  32;  9.12;  10.1;  11.10; 14.17). 
Paulo viu o mesmo princípio geral em ação na sociedade ímpia da presente era (Rm 1.24,26,28) e predisse que também ocorreria o mesmo fato nos dias do anticristo  (2Ts  2.11,12).  O  livro  aos  Hebreus  contém  muitas  advertências  ao crente, no para que não endureça o seu coração (e.g., Hb 3.8-12). Todo aquele que  persistir  na  rejeição  da  Palavra  de  Deus,  terá  por  fim  um  coração endurecido. 

 O coração regenerado 

A solução de Deus para o coração pecaminoso é a regeneração, que tem lugar em  todo  aquele  que  se  arrepende  dos  seus  pecados,  volta-se  para  Deus,  e pela fé aceita a Jesus como seu Salvador e Senhor pessoal. 
A  regeneração  está  ligada  ao  coração.  Aquele  que,  de  todo  o  coração,  se arrepende e confessa que Jesus é Senhor (Rm 10.9), nasce de novo e recebe da parte de Deus um coração novo (Sl 51.10; Ez 11.19). 
No  coração  daquele  que  experimenta  o  nascimento  espiritual,  Deus  cria  o desejo de amá-lo e de obedecê-lo. Repetidas vezes, Deus realça diante do seu povo a necessidade do amor que provém do coração (Dt 4.29; 6.6). Tal amor e dedicação  a  Deus  não  podem  estar  separados  da  obediência  à  sua  lei  (Sl 119.34,69,112).  Jesus  ensinou  que  o  amor  a  Deus,  de  todo  o  coração, juntamente com o amor ao próximo, resume toda a lei de Deus (Mt 22.37-40). 
O amor de todo o coração é o elemento essencial a uma vida de obediência. Repetidas vezes, o povo de Deus, no passado, procurou substituir o verdadeiro amor  do  coração  pela  observação  de  formalidades  religiosas  exteriores  (tais como  festas,  ofertas  e  sacrifícios;  Is  1.10-17;  Nm  5.21-26;  Dt  10.12).  A observância exterior sem o desejo interior de servir a Deus é hipocrisia, e foi severamente condenada por nosso Senhor (Mt 23.13-28; Lc 21.1-4).  
Muitos outros fatos espirituais têm lugar no coração da pessoa regenerada. Ela louva a Deus de todo o coração (Sl 9.1), medita no coração (Sl 19.14), clama a Deus  do  coração  (Sl  84.2),  busca  a  Deus  de  todo  o  coração  (Sl  119.2,  10), oculta a Palavra de Deus no seu coração (Sl 119.11; Dt 6.6), confia no Senhor de  todo  o  coração  (3.5),  experimenta  o  amor  de  Deus  derramado  em  seu coração (Rm 5.5) e canta a Deus no seu coração (Ef 5.19; Cl 3.16).


2 - Eclesiastes

Poucos  escritos  bíblicos  têm  provocado  gama  tão  grande  de  opiniões  com respeito  ao  significado  como  Eclesiastes.  Tentar  determinar  o  centro  de  sua mensagem  revela-se  uma  tortura  e  uma  frustração,  mas  não  deixa  de  ser também importante. O livro nos apresenta uma caixa repleta de enigmas. Cada vez  que  a  abrimos  temos  de  enfrentar  de  novo  seu  estilo,  percorrer  seus argumentos,  decodificar  suas  figuras.  E  ao  fazer  isso  percebemos  Deus agindo,  vemos  nossos  problemas  humanos  diminuídos,  encontramos  alertas contra nossas soluções simplistas. Aguçamos nossos anseios por aquele cuja cruz  e  ressurreição  são  janelas  para  a plenitude  do que  Deus  deseja  para  a vida humana. 
O título hebraico “Koheleth” (derivado de kahal, “reunir-se”) significa "Pregador" ou  "alguém  que  se  dirige  à  uma  assembléia".  O  termo  é  usado  sete  vezes nesse  livro,  mas  não  aparece  em  nenhum  outro  do  Antigo  Testamento.  Os tradutores gregos deram-lhe o nome de "Eclesiastes", que significa "função de pregador". É um título bem apropriado, pois contém muitas características de sermão, embora não principie por texto bíblico. 
No versículo inicial de Eclesiastes, o autor se identifica como "pregador" (koheleth). A palavra vem de uma raiz que significa "reunir", e, assim, provavelmente indica alguém que reúne uma assembleia para ouvi-Io falar, portanto, um orador ou pregador. A Septuaginta usou o termo grego Eclesiastes, que as traduções em inglês e português transpuseram como o nome do livro. O termo designa "um membro da ecclesia, a assembleia dos cidadãos na Grécia". Já no início da era cristã, ecclesia era o termo usado para se referir à Igreja. 

Autoria 

Quem era Koheleth? A linguagem de 1.1 e a descrição do capítulo 2 parecem indicar  o  rei  Salomão.  A  autoria  salomônica  foi  aceita  tanto  pela  tradição judaica como pela tradição cristã até épocas relativamente recentes. Martinho Lutero parece ter sido o primeiro a negar isso, e provavelmente a maioria dos estudiosos da Bíblia concordaria com ele.
No  primeiro  versículo,   o  livro  é   atribuído   ao   "filho   de   Davi,  rei   em Jerusalém" [...] Entretanto, em 1.12 diz: "Eu, o pregador, fui rei sobre Israel em  Jerusalém".  Claramente,  nunca  houve  época  alguma  na  vida  de Salomão em que ele pudesse se referir ao seu reino no pretérito. Em 2.4-11 também são descritos os feitos do reinado de Salomão como algo que já era passado no tempo em que foi escrito. 
 Novamente,  em  1.16  o  autor  diz:  "e  sobrepujei  em  sabedoria  a  todos  os que houve antes de mim, em Jerusalém". O mesmo pensamento se repete em 2.7. No caso de Salomão, apenas Davi precedeu Salomão como rei em Jerusalém. Mais uma vez devemos lembrar que os judeus usavam o termo "filho" para qualquer descendente; assim, Jesus também é descrito como o "filho de Davi". 
Entre os estudiosos mais recentes e conservadores se lê: "O autor do livro foi alguém que viveu no período pós-exílico e colocou suas palavras na boca de Salomão, assim empregando um artifício literário para transmitir sua mensagem".  O  argumento  aparentemente  mais  forte  contra  a  autoria  salomônica  é  a presença de palavras aramaicas no texto que não parecem ter sido usadas no tempo  de  Salomão.  Archer,  entretanto,  argumenta  contra  a  validade  dessa evidência, declarando que "o livro de Eclesiastes não se encaixa em nenhum período  na  história  da  língua  hebraica  [...]  não  existe  no  momento  nenhum fundamento concreto para datar esse livro com base em aspectos linguísticos (embora  não  seja  mais  estranho  ao  hebraico  do  século  X  do  que  é  para  o hebraico do século V ou do século II).
Por um lado, depois de Lutero ter negado a autoria salomônica, a maioria dos eruditos da Bíblia negaram-na. Eis as principais razões: (a) As condições históricas não parecem ser da época de Salomão. (b) O nome de Salomão não aparece no livro, como no Livro de Provérbios e Cantares. 
(c) A linguagem, o uso das palavras e o estilo são supostamente pós-exílio, contendo muito do aramaico. 
(d) A introdução refere-se à Salomão como a um herói, não como a um autor. 
Por  outro  lado,  muitos  eruditos  conservadores  sustentam  que  Salomão  foi  o autor pelas seguintes razões:  
(a) As auto-identificações do autor indicam Salomão (1.1,12; 2.7,9; 12.9). Caso Salomão não fosse seu autor, a falsa personificação do mais sábio de todos os homens sábios teria sido descoberta há muito tempo pelos rabinos de Israel, e esses não permitiriam a inclusão do livro no Cânon. 
(b) O autor identifica-se como aquele que reuniu e organizou muitos provérbios (12.9; comparar com 1Rs 4.32).
(c) A tradição judaica atribuiu o livro à Salomão. As experiências, argumentos e conclusões apresentados requerem um autor como Salomão, pessoa de grande sabedoria, riqueza, fama, sucesso nos negócios e paixão por mulheres. Não houve ninguém tão maravilhosamente bem-dotado para a tarefa de pesquisar e escrever esse livro como Salomão.  

Interpretação 

Como   devemos   interpretar   a   mensagem   deste   livro?   O   leitor   logo   fica impressionado  por  pontos  de  vista  evidentemente  contraditórios.  Uma  teoria persistente  defende  que  o livro  é  um  diálogo com  perspectivas contraditórias apresentadas por personagens diferentes. Se este ponto de vista for aceito, a expressão frequentemente repetida "vaidade de vaidades" seria o veredicto do autor  num  panorama  que  se  restringe  apenas  ao  mundo  presente.  Outra abordagem   favorita   tem   sido   associar   a   perspectiva   consistentemente pessimista  ao  autor  inicial  e  explicar  pontos  de  vista  contraditórios  como inserções de autores posteriores que tentaram corrigir afirmações exageradas com o propósito de tornar o livro mais coerente com os ensinamentos religiosos em vigor na época. 
O livro de fato apresenta oscilações  entre confiança e pessimismo. Mas elas não precisam nos instigar a abandonar a convicção na unidade e integridade de Eclesiastes. Tais oscilações não seriam uma consequência natural da luta entre a fé, por um lado, e os interesses pelos assuntos mundanos, por outro, tanto  no  coração  do  próprio  Salomão  como  na  vida  centrada  na  terra  que  o livro  retrata?  Barton  escreve:  "Quando  um  homem  contemporâneo  percebe quantos conceitos diferentes e estados de humor ele pode ter, descobre menos autores em um livro como Koheleth" (1908, p. 162). 
Se  este livro representa a  luta  de  uma  alma com dúvidas  sombrias,  também revela o comportamento de um homem que notou o lado positivo das coisas. Apesar de sua atitude pessimista, a vida é tão preciosa quanto um "copo de ouro" (12.6), e a resposta final ao sentido da vida é: "Teme a Deus e guarda os seus mandamentos" (12.13). 



Organização 

Eclesiastes não é um livro racional ou organizado de maneira lógica. É como um diário no qual um homem registrou suas impressões de tempos em tempos. Muitas  vezes  ele  prefere  expressar  sentimentos  do  momento  e  reações emocionais a apresentar uma filosofia equilibrada sobre a vida. Geralmente o estado de espírito é de ceticismo, mas ainda assim Peterson escreve: "Teria sido uma desgraça e uma grande pena se um livro que foi escrito para ser a Bíblia de todos os homens não se referisse ou deixasse de lidar com o espírito de ceticismo que é comum a todos os homens" (1954, p. 30). 
A  estrutura  do  livro  faz  dele  um  livro  tão  difícil  de  esboçar  que  muitos comentaristas  nem  tentam  identificar  um  padrão  lógico.  Às  vezes  o  leitor cuidadoso   irá   perceber   que   um   destaque   aponta   para   um   pensamento significativo daquela seção mais do que para um resumo de tudo que está ali. 
Embora ocasionalmente os parágrafos estejam relacionados apenas vagamente entre si, todos eles estão relacionados ao tema do livro talvez isso só seja verdade porque esse tema é tão amplo quanto a própria vida! 
Estilo
 
Eclesiastes  ou  Pregador  é,  em  muitos  aspectos,  um  livro  enigmático.  De construção   um   tanto   desconexa,   de   vocabulário   obscuro,   com   estilo frequentemente  complicado,  desafia  o  entendimento  do  leitor.  Contém  certo número de palavras que não se encontram no resto do Antigo Testamento, e cujo significado é difícil de determinar com precisão. Faz alusão a incidentes, costumes e dizeres que teriam sido facilmente entendidos por seus primeiros leitores,  mas   sobre   os   quais   não   possuímos   indicação   alguma.   Contém incoerências  aparentes,  o  que  torna  difícil  precisar  qual  o  ponto  de  vista  do próprio autor. Esses contrastes têm levado alguns a supor que o livro original foi  reescrito  e  "expurgado"  por  diversas  mãos.  O  modo  pelo  qual  o  escritor arrumou seu material  sugere  que  não houve  a  preocupação  de dar  qualquer sequência  ligada  de  pensamento  a  correr  livro  afora. 
A  despeito  de  todas  essas  dificuldades  e  obscuridades,  entretanto,  o  livro exerce  um  poderoso  fascínio.  Torna-se  imediatamente  evidente,  para  o  leitor dotado  de  discernimento,  que  aqui  temos  uma  penetrante  observação  e criticismo  sobre  a  cena  humana. 

3 - Cantares

O título hebraico deste livro pode ser traduzido literalmente por “O Cântico dos Cânticos”, expressão esta que significa “O Maior Cântico” (assim como “Rei dos reis” significa “O Maior Rei”). É, portanto, o maior cântico nupcial já escrito. Salomão foi um escritor prolífico de 1005 cânticos (1Rs 4.32). Seu nome consta no versículo inicial, que também fornece o título do livro (Ct 1.1), e em seis outros trechos do livro (Ct 1.5; 3.7,9,11; 8.11,12). O escritor também identifica- se com o noivo; é possível que o livro tenha sido originalmente uma série de poemas trocados entre ele e a noiva. Os oito capítulos do livro fazem referência a pelo menos quinze espécies diferentes de animais e vinte e uma espécies de plantas. Esses dois campos foram investigados e mencionados por Salomão em numerosos outros cânticos (1Rs 4.33). Finalmente, há referências geográficas no livro de lugares de todas as partes da terra de Israel, o que sugere que o livro foi composto antes da divisão da nação em Reino do Norte e Reino do Sul. Salomão deve ter composto este livro no início do seu reinado, muito antes de sua execrável poligamia. Liturgicamente, Cantares de Salomão veio a ser um dos cinco rolos da terceira parte da Bíblia hebraica, os Hagiographa (“Escritos Sagrados”). Cada um desses rolos era lido publicamente numa das festas anuais dos judeus. 

Propósito 

Este  livro  foi  inspirado  pelo  Espírito  Santo  e  inserido  nas  Escrituras  para ressaltar   a   origem   divina   da   alegria   e   dignidade   do   amor   humano   no casamento. O livro de Gênesis revela que a sexualidade humana e casamento existiam  antes  da  queda  de  Adão  e  Eva  no  pecado  (Gn  2.18-25).  Embora  o pecado  tenha  maculado  essa  área  importante  da  experiência  humana,  Deus quer  que  saibamos  que  a  dita  área  da  vida  pode  ser  pura,  sadia  e  nobre. Cantares  de  Salomão,   portanto,   oferece   um   modelo   correto   entre   dois extremos através da história: (a) o abandono do amor conjugal para a adoção da perversão sexual (isto é conjunção carnal de homossexuais ou de lésbicas) e  prática  heterossexual  fora  do  casamento  e  uma  abstinência  sexual,  tida (erroneamente) como o conceito cristão do sexo, que nega o valor positivo do amor físico e normal conjugal. 
Tanto Cantares de Salomão como o título alternativo, O Cântico dos Cânticos, vêm do primeiro versículo do livro. O cabeçalho Cântico dos Cânticos é uma tradução literal do hebraico shir hashirim. Essa linguagem coloca a ênfase na qualidade superlativa portanto o cântico é descrito como o melhor ou o mais excelente cântico (Gn 9.25; Êx 26.33; Ec 1.2). Na Vulgata (Bíblia latina) o livro é chamado de Cânticos. 
Nas  escrituras   hebraicas,   Cantares   é   o   primeiro   de   cinco   livros   curtos chamados  "Rolos"  (Megilloth).  Os  outros  quatro  são  Rute,  Lamentações, Eclesiastes  e  Ester.  Cada  um  desses  livros  era  lido  em  um  dos  grandes festivais  anuais  judeus,  sendo  que  Cantares  era  usado  na  época  da  Páscoa dos judeus. 

Tema

Para evitar a subjetividade e honrar o sentido literal do poema, destaca-se os principais temas do amor e da devoção, em vez dos detalhes da história. No calor e na força da afeição mútua dos dois apaixonados,  os  intérpretes  tipológicos  veem  insinuações  do  relacionamento entre Cristo e sua Igreja. A justificativa para essa ideia baseia-se em paralelos com  poemas  de  amor  árabes,  que  podem  ter  significados  esotéricos  ou místicos;  com  o  uso  que  Cristo  fez  da  história  de  Jonas  (Mt  12.40)  ou  da serpente no deserto (Jo 3.14); e com as bem conhecidas analogias bíblicas do casamento  espiritual  (e.g.,  Jr  2.2;  3.1ss.;  Ez  16.6ss.;  Os  1-3;  Ef  5.22-33;  Ap 19.9). 
São   inegáveis   os   benefícios   devocionais   das   interpretações   alegóricas   ou tipológicas  de  Cântico  dos  Cânticos.  Questiona-se,  porém,  a  intenção  do  autor. Qualquer leitura alegórica é perigosa porque as possibilidades de interpretação são ilimitadas. Estamos mais propensos a descobrir nossas ideias do que a discernir o propósito  do  autor.  Além  disso,  o  texto  não  fornece  indícios  de  que  Cântico  dos Cânticos deva ser lido em outro sentido, que não o natural.

Forma Literária

Cantares é um exemplo da poesia hebraica lírica; é por isso que as traduções para as línguas modernas são dispostas de forma poética  Este antigo poema hebraico não tinha rima ou métrica como em nossa forma ocidental. Existe muito mais um equilíbrio e um ritmo de pensamentos do que  de  sílabas  ou  sons.  As  linhas  são  distribuídas  de  tal  forma  que  o pensamento é apresentado de maneiras diferentes, pela repetição, ampliação, contraste ou resposta, como em 8.6: “Porque o amor é forte como a morte, e duro como a sepultura o ciúme; as suas brasas são brasas de fogo, labaredas do SENHOR”.

Data do livro 

Datar  o  livro  depende  do  ponto  de  vista  que  temos  acerca  do  seu  autor.  Se Salomão escreveu o Cantares, precisa ser datado no século X a.C. Os eruditos que procuram datá-lo de acordo com a ocorrência de palavras estrangeiras no texto situam o livro entre 700 a.C. e 300 a.C.  

Características Especiais 

É  o  único  livro  na  Bíblia  que  trata  exclusivamente  do  amor  especificamente conjugal;  é  uma  obra-prima  incomparável  da  literatura,  repleta  de  linguagem imaginativa;   discreta,   mas   realista;   tomada   principalmente   do   mundo   da natureza.  As  várias  metáforas  e  a  linguagem  descritiva  retratam  a  emoção, poder e beleza do amor romântico e conjugal, que era puro e casto entre os judeus, o povo de Deus dos tempos bíblicos; é um dos poucos livros do Antigo Testamento  de  que  não  se  faz  referência  no  Novo  Testamento;  neste  livro, consta apenas uma vez o nome de Deus, em Ct 8.6, mas a inspiração divina permeia o livro, principalmente nos seus símbolos e figuras. 

Conclusão da Unidade 3:

Segundo  a  tradição  judaica,  Salomão  escreveu  Cantares   quando  jovem; Provérbios,  quando  estava  na  meia-idade,  e  Eclesiastes,  no  final  da  vida.  O efeito conjunto do declínio espiritual de Salomão, da sua idolatria e da sua vida extravagante, deixou-o por fim desiludido, com os prazeres desta vida e o materialismo, como caminho da felicidade. 
Eclesiastes  registra  suas  reflexões  negativistas  a  respeito  da  futilidade  de buscar  felicidade  nesta  vida,  à  parte  de  Deus  e  da  sua  Palavra.  Ele  teve riquezas, poder, honrarias, fama e prazeres sensuais, em grande abundância, mas no fim, o resultado de tudo foi o vazio e a desilusão: “vaidade de vaidades! É tudo vaidade” (1.2). Seu propósito principal ao escrever Eclesiastes pode ter sido  compartilhar  com  o  próximo,  especialmente  os  jovens,  antes  de  morrer, seus pensamentos e seu testemunho, a fim de que outros não cometessem os mesmos  erros  que  ele  cometera.  Revela  de  uma  vez  por  todas,  a  total futilidade  do  ser  humano  considerar  bens  materiais  e  conquistas  pessoais como  os  reais  valores  da  vida.  Embora  os  jovens  devam  desfrutar  da  sua juventude  (11.9,10),  o  mais  importante  é  que  se  dediquem  ao  seu  Criador (12.1)   e   que   decidam   temer   a   Deus   e   guardar   os   seus   mandamentos (12.13,14). Esse é o único caminho que dá sentido à vida.  

  
BIBLIOGRAFIA

ARCHER, Gleason L. Jr. Merece Confiança o Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2000.

GAGLIARDI, Ângelo Jr. Panorama do Antigo Testamento. RJ: vinde, 1995.

NUNES, Flávio. Livros Poéticos. Instituto Teológico Gamaliel. S/d.


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